Outubro Rosa
O mais comum e o que mais mata. Um caso a cada 6 horas no Brasil. Uma a cada 7 mulheres terá câncer de mama. Só no Brasil, o número de casos novos já chega a 58 mil ao ano, com cerca de 14 mil mortes por ano, segundo o Ministério da Saúde. Embora se possa atribuir o crescente aumento da incidência à elevação da expectativa de vida da população (a incidência do câncer de mama aumenta proporcionalmente nas mulheres mais velhas) e à melhoria do acesso, da distribuição e da qualidade dos métodos de diagnóstico, como mamografias, ultrassonografias, punções-biópsia e exames de anatomopatologia, um fator em especial é sinônimo de alerta. O professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor-clínico da Personal – Oncologia de Precisão e Personalizada e do Laboratório Personal de Genética Molecular de Belo Horizonte André Marcio Murad não tem dúvidas: “Os fatores ambientais causadores da doença se fazem cada vez mais presentes no nosso dia a dia, podendo ser responsabilizados pela ocorrência da grande maioria dos casos”.
Por que o câncer de mama, um dos tipos mais falados de câncer e para o qual há tantas campanhas de prevenção, é o mais comum? O que determina tamanha incidência?
Entre os fatores ambientais, destacam-se a dieta inadequada, a obesidade, o sedentarismo e o consumo cada vez mais frequente de bebidas alcoólicas pelas mulheres. Também o fato de as mulheres engravidarem cada vez mais tardiamente e ter um número menor de filhos faz com que a exposição aos hormônios femininos seja mais prolongada, efeito esse também vinculado à gênese do tumor. Uma dieta rica em gordura e proteína de origem animal e com excesso de alimentos industrializados, enlatados, adocicados, embutidos e artificialmente conservados eleva os índices de substâncias potencialmente cancerígenas no organismo, como estrógeno, nitrosamina, insulina e IGF, que é um fator similar à insulina, com propriedades estimuladoras do crescimento de células tumorais. A obesidade e o sedentarismo igualmente elevam os riscos, uma vez que o tecido gorduroso é uma rica fonte dessas substâncias, além de intensificar o processo inflamatório crônico celular. Já mulheres que se exercitam regularmente por pelo menos três vezes por semana têm até 30% menos risco de adquirir câncer de mama do que mulheres sedentárias. Devo ressaltar que a incidência de câncer de mama em mulheres mais jovens (entre 25 e 39 anos) tem aumentado nas últimas décadas. Estudos norte-americanos demonstram que a incidência tem crescido cerca de 2% ao ano nos últimos 34 anos. Obesidade, consumo de bebidas alcoólicas, sedentarismo, má alimentação e idade cada vez mais tardia para a primeira gestação são fatores mais apontados para se justificar essa mudança epidemiológica, não nos esquecendo sempre das síndromes de predisposição genética, como as mutações dos genes BRCA-1, BRCA-2, ATM, PALB2. Hoje, sabemos que até 22% dos casos de câncer de mama são causados por síndromes de predisposição genética, que são precisamente diagnosticadas pelos testes genéticos disponíveis. Devemos sempre considerar a possibilidade de uma síndrome hereditária nos casos de tumores que ocorrem em pacientes com idade abaixo dos 55 anos e com histórico de casos de câncer nos familiares mais próximos, não só de mama, mas também de ovários, próstata, pâncreas e também nos casos de câncer de mama masculino.
Existe um perfil social de mulheres acometidas pela doença?
Nos países desenvolvidos, como os EUA, os estudos epidemiológicos apontam para uma maior incidência da doença em mulheres com nível social mais elevado e moradoras das áreas urbanas, portanto, mais expostas aos fatores de risco ambientais, como dieta industrializada e rica em gordura e calorias, além de obesidade, sedentarismo e consumo de bebidas alcoólicas. No Brasil, os escassos dados disponíveis são conflitantes, mas com uma tendência semelhante.
Qual o percentual de reincidência da doença?
Depende do estadiamento inicial e do tratamento instituído (cirúrgico, radioterápico, hormonal, quimioterápico e alvo-molecular). Nos casos iniciais em que o diagnóstico é precoce, o percentual é baixo e varia entre 2% e 18%. Já na doença loco-regionalizada (exemplo: extensão para a parede do tórax ou extenso acometimento dos linfonodos da axila), sobe para cerca de 20% a 70%. Já na doença metastática (com doença a distância), somente 5% a 16% das pacientes atualmente sobrevivem mais que cinco anos, embora esse número tenda a aumentar com a incorporação das terapias mais modernas, como a terapia alvo-molecular e a imunoterapia.
Qual é a “prevenção” pós-tratamento?
O tratamento usualmente envolve a cirurgia e, para os casos indicados, o tratamento adjuvante ou complementar, como radioterapia, hormonoterapia, quimioterapia e terapia alvo-molecular (por exemplo: trastuzumabe para tumores que expressam a proteína Her-2). Após essa fase, preconizamos a mudança de hábitos alimentares (dieta com menos calorias, gordura animal, carne vermelha e mais rica em legumes, verduras, frutas, grãos e alimentos integrais), perda de peso, prática regular de atividade física e redução drástica do consumo de bebidas alcoólicas. Podemos também usar medicamentos anti-hormonais ou mesmo indicar a retirada cirúrgica dos ovários ou da mama contralateral em casos específicos (como nas síndromes de predisposição hereditária).
No caso de mulheres que tiveram o câncer antes da maternidade, a doença pode prejudicar de alguma forma ou até mesmo inviabilizar uma gravidez?
Sim. Dependendo do tratamento complementar que se emprega antes ou após a cirurgia, quer seja ele quimioterápico ou hormonoterápico, as pacientes podem se tornar inférteis temporaria ou definitivamente. Daí a importância e a necessidade do apoio de um especialista em infertilidade antes do tratamento, pois pode-se lançar mão do congelamento de óvulos ou mesmo de fragmentos de ovário para preservar a fertilidade. Em casos selecionados, durante a quimioterapia lançamos mão de medicamentos que suprimem a ovulação, como a goserelina, pois estudos demonstram que na vigência de quimioterapia a supressão da ovulação pode propiciar um efeito protetor ovariano. Com o ciclo menstrual paralisado, os ovários sofrem menos danos com a quimioterapia do que se estivessem ativos.
Essa mulher poderá amamentar?
As pacientes que pretendem engravidar após o tratamento do câncer de mama deverão compartilhar essa decisão com seus médicos a fim de receber orientações sobre o melhor momento para isso, considerando fatores como o estadiamento, o tratamento realizado, os efeitos colaterais. Existem casos em que a mulher poderá ser liberada para a gravidez após dois anos do início do tratamento. Em outros casos, a gravidez somente pode ocorrer após cinco anos, principalmente quando a mulher está fazendo uso de algum medicamento, que traz riscos de malformação do bebê pelo efeito desse medicamento. Recomenda-se, por isso, que a gravidez seja bem planejada e compartilhada com o médico. Os tratamentos cirúrgicos e/ou radioterápicos interferem na produção de leite. Mulheres mastectomizadas, por exemplo, retiram a mama e os ductos mamários, o que torna impossível a amamentação com essa mama, ainda que reconstruída com prótese de silicone ou retalhos miocutâneos. Mesmo em cirurgias parciais, se o tratamento envolver radioterapia, a produção de leite também será bastante comprometida. Isso porque a irradiação afeta as células responsáveis pela produção de leite. Mas se o câncer for unilateral (em apenas uma das mamas) e a mama saudável não for submetida a nenhum procedimento, continuará produzindo leite normalmente.
Os exames genéticos têm ficado mais ao alcance da população ou o preço ainda os deixa restritos?
À medida que a tecnologia avança e os exames se tornam mais disponíveis e em um maior número de laboratórios, a tendência é de uma queda importante dos custos. Os testes genéticos mais usados hoje são os que detectam as síndromes de predisposição genética ao câncer, os que avaliam o risco de recidiva da doença após o tratamento cirúrgico (para assim melhor indicarmos o tratamento quimioterápico e hormonal adjuvantes) e os que selecionam tratamentos na fase metastática da doença. Hoje, por exemplo, um painel germinativo para a avaliação de risco de câncer hereditário (não só de mama e ovário, mas para vários tipos de cânceres e síndromes) com cerca de 20 genes já pode ser encontrado no mercado por cerca de R$ 1,2 mil a R$ 1,5 mil. Técnicas mais simplificadas de avaliação de presença de receptores hormonais e proteína Her2 por imuno-histoquímica custam em média R$ 200 a R$ 400. Já painéis tumorais específicos realizados por técnicas de PCR (reação de polimerase em cadeia), PCR digital ou mesmo em NGS (sequenciamento genético de nova geração) têm valores que podem variar de R$ 2 mil a R$ 12 mil, dependendo do número de genes estudados e da complexidade do exame. Podemos eventualmente estudar se necessário até todo o exoma tumoral (exoma é a parte “funcionante” do genoma).
A medicina vislumbra em quanto tempo um medicamento único e eficaz, uma espécie de comprimido que signifique o fim da químio e radioterapia? Há pesquisas nesse sentido em andamento?
Embora drogas alvo-moleculares e a imunoterapia estejam cada vez mais presentes no arsenal terapêutico do oncologista, com perspectivas de franca expansão nos próximos anos, é muito provável que ainda necessitaremos de utilizar a quimioterapia por um bom tempo. A tendência a longo prazo é realmente de progressiva substituição da mesma por terapêuticas mais inteligentes e eficientes, que atuam especificamente nas células tumorais, em seu microambiente e também no incremento da própria resposta imunológica do organismo ao tumor. Já a radioterapia é muito útil para o tratamento local, local regional e das metástases, especialmente ósseas e cerebrais. É pouco provável que seja eliminada, mesmo em tempos futuros. Deverá sim ser cada vez mais precisa, seletiva e eficaz. Não haverá um medicamento único (a sonhada “bala mágica”) pelo fato de o câncer ser um grupamento de centenas de doenças distintas, portanto, de tratamentos igualmente distintos. A perspectiva que se vislumbra é no sentido contrário, ou seja, os tratamentos serão cada vez mais personalizados e customizados para cada subtipo de tumor e para cada fase evolutiva da doença. Para isso, contamos com os conhecimentos mais e mais robustos da genômica e da imunologia tumoral.
O câncer de mama é diferente para cada mulher ou há apenas um tipo? Como essa diferenciação é verificada? Como essas características influenciam no tratamento?
Há uma grande variação patológica e genômica, tanto entre pacientes distintas como muitas vezes entre fases distintas de evolução do tumor numa mesma paciente, o que é denominado “heterogeneidade tumoral”. Nem sempre o perfil molecular é o mesmo no tumor inicial e nas suas subsequentes fases evolutivas ou na presença de metástases, o que muitas vezes faz com que tenhamos que estudar o tumor sequencialmente nas suas diferentes fases, realizando inclusive novas biópsias em locais diferentes dos da apresentação inicial. Daí a importância da tecnologia chamada “biópsia líquida”, que já é usada em câncer avançado de pulmão e tem sido estudada em câncer de mama. Por meio dessa revolucionária ferramenta, extraímos o DNA das células tumorais que circulam naturalmente na corrente sanguínea e estudamos e genotipamos seu perfil genético-molecular naquele exato momento, o que nos proporciona um “retrato” imediato do comportamento biológico daquele tumor, podendo então selecionar a melhor terapia para aquela fase da doença e, inclusive, estabelecendo seu prognóstico, além de detectar precocemente uma eventual resistência do tumor ao tratamento instituído. Essa tecnologia tem as vantagens adicionais de poupar a paciente de novas biópsias e de poder ser realizada periodicamente e sem riscos adicionais, pois usa apenas amostras de sangue de uma veia periférica, como nos exames laboratoriais rotineiros.
Como se manifesta o câncer de mama em homens? Como é o tratamento?
Geralmente, pela presença de uma tumoração indolor (nos estágios mais avançados podem ocorrer dor e ulceração), pele ondulada ou enrugada, retração do mamilo, vermelhidão ou descamação da pele da mama ou do mamilo e inchaço nos linfonodos axilares. Lembrando que a presença de nódulos mamilares nos homens na maioria das vezes não é por câncer, mas sim devido ao aumento do tecido mamário denominado ginecomastia. Mutações hereditárias em genes como o BRCA-2 (menos frequentemente o BRCA-1, o PTEN e o CHEK-2) podem aumentar o risco de câncer de mama no homem em até sete vezes. O tratamento usualmente é semelhante ao do câncer de mama feminino e inclui cirurgia, radioterapia, quimioterapia e hormonoterapia.