Novembro Azul 2019

Avanços na Genética e nos testes genéticos para o diagnóstico correto das síndromes de predisposição hereditária ao câncer propiciam melhor seleção dos homens para o rastreamento do câncer de próstata. Tratamentos que combinam terapia alvo-molecular e imunoterapia começam a ser testados, inclusive com participação de Belo Horizonte.

André Márcio Murad

Professor coordenador da disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, pesquisador do Serviço de Oncologia do HC-UFMG e diretor clínico da Personal – Oncologia de Precisão e Personalizada de Belo Horizonte (MG). Oncogeneticista da Cettro de Brasília. Diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão – GBOP.

Novembro Azul é uma campanha de conscientização realizada por diversas entidades no mês de novembro dirigida à sociedade e, em especial, aos homens para a prevenção e o diagnóstico precoce do câncer de próstata, o mais comum e a segunda maior causa de morte por câncer nos homens. Cerca de 1.201.619 novos casos e 335.643 óbitos são previstos no mundo pela doença, o que corresponde a um aumento em relação ao ano de 2012 de 9,7% e 9,2%, respectivamente. No Brasil, a estimativa para 2019 é 61.200 casos novos e cerca de 13.772 óbitos.

É o câncer mais comum no Brasil, excluindo-se os cânceres de pele, e representa cerca de 4 em cada 10 cânceres que atingem a população masculina brasileira com mais de 50 anos de idade. Problemas para urinar, sensação que a bexiga não se esvazia completamente e sangue na urina são indícios que indicam um estádio avançado da doença. Dores ósseas, principalmente nas costas, sugerem a presença de metástase, fase em que a doença já é incurável. O diagnóstico sempre deve ser obtido antes que os sintomas surjam, para que o tratamento tenha altas chances de cura.

Fatores causais: oportunidade para uma prevenção

Vários estudos sugerem que maus hábitos alimentares, como uma dieta rica em gordura e proteína de origem animal, de alimentos industrializados, enlatados, adocicados, embutidos artificialmente e conservados eleva os índices de substâncias potencialmente cancerígenas no organismo, como a nitrosamina e o IGF, um fator similar à insulina, com propriedades estimuladoras do crescimento de células tumorais. A obesidade e o sedentarismo igualmente elevam os riscos. Portanto, uma dieta saudável, rica em verduras, legumes, frutas, grãos e peixes, além da prática regular de atividades físicas e manutenção do peso ideal seriam as principais medidas preventivas.

A polêmica do rastreamento como ferramenta para diagnóstico precoce e redução da mortalidade

Não existe consenso entre as organizações de saúde a respeito do rastreamento do câncer de próstata, como o que utiliza as dosagens periódicas do PSA (antígeno prostático específico) e a realização do toque retal. Aquelas contrárias argumentam que não existem evidências conclusivas de que a detecção precoce tenha influência na mortalidade específica pelo tumor, além do fato de pacientes em rastreamento estarem expostos às complicações e aos efeitos colaterais de um possível tratamento cirúrgico ou radioterápico desnecessário. Aquelas a favor da prática argumentam que existem evidências de que o rastreamento é responsável pelo declínio da mortalidade em determinadas áreas. As sociedades de Urologia Americana, Europeia e Brasileira indicam o rastreamento baseadas em estudos randomizados de grande porte e longo seguimento.

Ainda assim, o rastreamento universal de toda população masculina (sem considerar idade, raça e história familiar) não parece ser a melhor abordagem. Apesar de associado ao diagnóstico precoce e diminuição da mortalidade, pode trazer malefícios a muitos homens, como cirurgia ou radioterapia desnecessárias, com todos as suas complicações inerentes a estes procedimentos, como a incontinência urinária e a disfunção erétil. Em outubro de 2011, o US Preventive Services Task Force (USPSTF) publicou uma modificação de suas recomendações para o rastreamento em câncer de próstata, sugerindo a sua não realização, pelo menos de forma indistinta, para todo os homens. Por isso, a recomendação atual é a de se individualizar a abordagem, realizando-a apenas em homens considerados de alto risco para desenvolver a doença. Embora indivíduos obesos e de ascendência africana tenham maior risco de desenvolver o câncer de próstata, hoje, através dos mais recentes estudos genéticos sobre a doença, sabemos que o principal fator de risco é hereditário e ocorre devido a mutações herdadas em genes como o BRCA-1 e o BRCA-2 (menos frequentemente o TP53, o MLH1, o PMS2, o MSH6 e o MSH2). Estudos de grande porte demonstram que o câncer de próstata hereditário é responsável por até 57% dos casos e tendem a ser mais agressivos e a surgir em idade mais jovem (abaixo dos 50 anos). O risco de câncer de próstata é 4 vezes maior nos portadores de mutação no gene BRCA-1 e 9 vezes maior nos portadores de mutação do gene BRCA-2. As mutações destes genes aumentam também o risco de cânceres de mama (inclusive nos homens), ovário, pâncreas e pele (melanoma). As técnicas mais modernas de sequenciamento genômico têm tornados estes exames cada vez mais precisos e acessíveis, inclusive com custos menores e possibilidade de realização de painéis com múltiplos genes ao mesmo tempo. O exame é feito com material da saliva ou sangue.

Quando realizar os testes genéticos:

Recomenda-se a pesquisa destas mutações quando houver histórico de câncer de próstata com escala de Gleason maior ou igual a 7 – esta classificação é feita em função das características celulares e histológicas que constituem o tumor, de acordo com seu grau de agressividade: Gleason igual ou maior que 7 corresponde a tumores de agressividade alta ou intermediária – e mais as seguintes situações: 1) pelo menos um parente de primeiro grau com histórico de câncer de mama, ovário ou próstata com diagnóstico feito em idade abaixo dos 51 anos, 2) pelo menos 2 parentes com histórico de câncer de mama, ovário ou próstata em qualquer idade.

O ideal é que se faça o teste genético primeiramente em um paciente que teve o câncer. Uma vez detectada uma mutação específica, esta alteração deve ser também pesquisada nos familiares consanguíneos, com vistas ao planejamento de um rastreamento ativo com dosagens seriadas de PSA e mesmo outros exames para a detecção precoce também dos demais tumores que compõem a síndrome, com início idealmente em idade abaixo dos 40 anos (recomenda-se o início do rastreamento na idade 5 anos abaixo daquela em que foi diagnosticado o câncer no familiar cujo diagnóstico ocorreu em idade mais jovem). Todas estas condutas e exames, bem como o aconselhamento genético pré- e pós-testes, devem ser realizados por especialistas com larga experiência em Oncogenética.

Mais recentemente, as principais entidades médicas internacionais sugerem que os testes genéticos sejam realizados em todos os pacientes com câncer de próstata avançado, porque o encontro de mutações patogênicas nos genes de recombinação homóloga como BRCA1 e 2 se tornaram indicação para terapia-alvo com drogas alvo-específicas denominadas inibidores de enzima PARP, como o niraparibe. Mais recentemente, a imunoterapia também passou a ser avaliada no tratamento do câncer de próstata com resultados promissores.